As estastísticas informam que 15% da população mundial possui algum tipo de deficiência (Relatório da Organização Mundial de Saúde), o que demonstra que há uma proporção de sete para um em casos das mais variadas deficiências. Nesse contexto, muito foi feito na legislação, no entanto, é visto bem pouco na prática. Se incluir é intimamente cristão, há de se pensar sobre como fazê-lo na prática.
No âmbito do cuidado de pessoas, de forma geral, inclusive na realidade educacional, a igreja sempre esteve à frente de seu tempo, uma vez que nunca perdeu o contato com a vocação de cuidar, amparar e de pensar e sempre fazendo a diferença no mundo, como nos ensinou Jesus.
Nos séculos XV e XVI era a igreja, pela moral cristã, quem revisava preceitos da educação infantil num momento que o cuidar e o pensar eram práticas fundamentalmente religiosas. Podemos até questionar métodos e pensamentos daquela época, porém eram de extrema inovação no seu tempo. Logo depois, avanços da filosofia e ciências foram aprimorando conhecimentos, somando forças às instituições religiosas na inovação das práticas em saúde (física e mental) e em educação, horas colaborando com as instituições religiosas, horas divergindo.
O cristianismo tem uma visão fundamentalmente inclusiva. Penso que não podemos perder essa visão. No séculos XVIII e XIX, a situação de pessoas com deficiências mudou muito, inclusive no que diz respeito aos cuidados e educação, ainda que com equívocos e truculências.
Estatísticas
Em 2012 um relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde), informa que 15% da população mundial possui algum tipo de deficiência. Isso indica mais de 1 bilhão e 50 milhões de pessoas. Em cada sete pessoas, uma tem alguma deficiência de ordem física, mental, intelectual ou sensorial. Estima-se ainda que só 45% do meninos e 32% das meninas com deficiência completam o ensino fundamental nos países como o Brasil.
No Brasil, temos 6,5% (12,5 milhões) da população com alguma deficiência (IBGE 2010). Isso nos expõe a importância e urgência de atentar para as questões da inclusão na escola, inclusão de fato.
Avanços na educação de pessoas com deficiência
Com primórdios na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, depois aprimorada por diversas declarações e convenções em redor do mundo, tivemos os primeiros avanços modernos no cuidado, tratamento e educação de pessoas com deficiências.
Antes da Constituição Federal de 1988, já havia esforço para compreender as necessidades de pessoas com deficiência, mas era ainda limitado, cheio de rotulações pejorativas e conceitos questionáveis.
Após a Constituição de 88, com os artigos 203, 208 e 227 tivemos um grande salto. Uma base onde firmar a luta por direitos de inclusão social na saúde, educação e trabalho.
Estatuto da Pessoa com Deficiência
Continuamos evoluindo, e o Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe o conceito mais aprimorado que temos até o momento (ainda em discussão).
O texto diz que: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” (lei 13.146 / 2015).
Legislação
Já no início do século XX surgiram as APAEs. Depois, a LDBEN (Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, nº 4.024) já previa o atendimento escolar a pessoas com deficiência desde 1961, depois aprimorada e atualizada por resoluções, projetos de lei e decretos. Já o MEC, desde 1973, já tinha uma gerência para educação especial, exigindo mais inclusão, conforme a lei (CENESP).
Após a Constituição de 1988, os marcos da educação especial do Brasil foram o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90) e documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e Declaração de Caracas (1990), seguida pela Declaração de Salamanca (1994) que se mostraram base na formulação das políticas públicas da educação inclusiva.
Após isso, uma enxurrada de declarações, diretrizes, leis, decretos, normas deram agenda a inúmeras políticas públicas que asseguram o direito à inclusão na educação. Inclusive a LDBEN de 2007 (já bastante revista e atualizada) e a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) de 2019, assim como o atual PNE (Plano Nacional da Educação) que estará em vigor até 2024.
Inclusão como direito
Polêmicas à parte, vemos que leis não nos faltam para que a inclusão educacional seja uma realidade no Brasil. Incluir é um processo intimamente cristão, porém, a inclusão social, hoje, vai além da esfera da filantropia, é direito garantido por lei, independente da sensibilidade moral e religiosa da sociedade. E a educação cristã tem que ser o exemplo, assim como está escrito em Mateus 5:16.
Desafios
Infelizmente, o que vemos na prática, é que há ainda muitas famílias com dificuldades de inclusão de suas crianças da escola. E, se por um lado, há defasagem ou “integração”, por outro lado, vemos que há excelentes ações inclusivas em escolas, tanto públicas como privadas, até mesmo durante as dificuldades impostas pela pandemia, provando que é possível fazer inclusão exemplar.
São desafios imensos a ser superados. Desafios de ordem cultural e historico-sociológico, de ordem individual, de ordem organizacional e de ordem pública. Muito tem a ver com a formação do professor e das lideranças organizacionais nas escolas e com a confusão de papéis do professor auxiliar e do professor regular. Muito tem a ver, também, com desconhecimento a respeito de algumas síndromes, transtornos e limitações, seus níveis de gravidade e as necessidades reais que eles acarretam.
Inclusão na prática
Para aplicar inclusão temos que entender a diferença entre exclusão social, segregação, integração e a inclusão. Historicamente, esses foram marcos da evolução conceitual e de prática política e social. No entanto, ainda podemos encontrar resquícios de exclusão e segregação, além de uma enorme confusão entre integrar e incluir.
Com o tempo, oposta à exclusão, a segregação era a ideia de que pessoas com deficiências deveriam ser separadas da sociedade, enclausuradas em “locais próprios”, como educandários, asilos, clínicas e até mesmo manicômios, onde eram “cuidadas” e “avaliadas”. O que se esperava para o retorno à sociedade era uma “cura” de acordo com o padrão social e a visão biomédica.
Quando avanços nas pesquisas mudaram os conceitos e as práticas na saúde e educação evoluímos para a lógica da integração, deixando a visão biomédica e aderindo à visão biopsicossocial. Houve o “desenclausuramento” das pessoas com deficiência, que passaram a circular nos ambientes comuns a todos os cidadãos, porém ainda sem esforço para igualar oportunidades e por “participação plena e efetiva”.
Igualar talvez não seja um termo apropriado, mais correto seria pensar em equidade, ou seja, as mesmas oportunidades de participação e desenvolvimento para estas pessoas, porém de forma acessível, adaptada, para que haja justiça quanto aos impedimentos e barreiras que a deficiência lhes confere. A inclusão é isso.
Os direitos e deveres assentam com as singularidades sob os princípios da universalidade e solidariedade. Autonomia, independência e dignidade, sem barreiras arquitetônicas, estruturais, sociais culturais econômicas (sem desvantagens). Isso é inclusão das pessoas com deficiências em idade escolar.
É possível incluir, e a moral cristã é a maior especialista nisto. Foi Jesus que nos deu lições de inclusão na atenção e cuidado de coxos, cegos, surdos, paralíticos, pessoas mentalmente atípicas. É na Bíblia que encontramos os maiores exemplos de inclusão. Quatro amigos desceram um paralítico pelo telhado, vencendo todas as barreiras da sua deficiência para que ele tivesse igual oportunidade de desenvolvimento no encontro com o Mestre. Tantos outros exemplos mais que podemos citar.
Cristianismo e Inclusão
Quem seria mais apto para aprimorar essa prática e ser exemplo do que as escolas cristãs? Embora hoje não se trate mais de filantropia, e sim de direitos, é a igreja que pode dar o exemplo da inovação e amor, como faz historicamente. E a igreja somos nós, onde estivermos.
Segundo o caso registrado em João 9:2-3 para Jesus, um homem deficiente foi a oportunidade por meio da qual o poder de Deus podia ser revelado, como fica claro analisando como Ele repondeu: “… mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus.” A inclusão daquele homem causou muito rebuliço, mas ela foi da vontade de Jesus, para revelar seu amor e poder.
Todos nós temos nossas limitações enquanto neste mundo (1 Coríntios 15:53). Sendo assim, conforme nos ensina o registro em Marcos 12:29 e 31 e Romanos 15:17, devemos aceitar uns aos outros assim como Cristo nos aceitou, assim como gostaríamos de ser aceitos e isto para que Deus seja glorificado.
Jesus nos aceita como estamos, nos inclui como somos, nos ama como não merecemos. Sua Palavra é transformadora para nos fazer crescer em fé e anunciarmos ao mundo que Ele nos amou primeiro!
Afinal se Jesus disse: Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei. João 6:37 , como poderíamos nós rejeitar os pequenos imperfeitos na escola?
Em Mateus 5:13-14, o Senhor nos ensinou “Vós sois o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe o sabor? Para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens”. Sejamos sal da terra.
Luciana A. Silva
Consultora de cursos na área da inclusão
Revista Veredas Educacionais – outubro/ 2020