A ineficiência do Estado, cujos processos são extremamente burocráticos e lentos, dificulta os processos de certificação das entidades filantrópicas pelo Ministério da Educação. Nesse ínterim, é ímpar entender quais são os processos envolvidos e por que isso ocorre.
O Brasil possui cerca de 48,5 milhões de alunos matriculados nas 181,9 mil escolas de educação básica, públicas e privadas, números do ano de 2018. No nível superior são 8,45 milhões de alunos, segundo dados do Censo Escolar. Nas escolas filantrópicas estão matriculados cerca de 2,5 milhões alunos, segundo levantamento do setor. São 2.429 instituições certificadas na área de educação. Elas concedem 725 mil bolsas de estudo para alunos com índices de carência exigidos em lei.
LEGISLAÇÃO
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/96), permite que as instituições de ensino privadas e comunitárias possam ser certificadas como “filantrópicas” (Art. 19, § 2º). Elas são obrigadas a atender aos requisitos específicos da Constituição Federal, Código Tributário Nacional, Lei 12.101/2009, atualizada pela Lei 12.868/2013, Decreto 8.242/2014, Portaria Normativa nº 15, de 11 de agosto de 2017, e inúmeras normas de órgãos reguladores como Tribunal de Contas da União, Receita Federal do Brasil, Conselho Federal de Contabilidade, entre outras. A Lei 12.101/2009 é objeto de questionamento sobre a constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI 4891), bem como a Lei 12.868/2013 (ADI 5305), além de outras normas legais impugnadas em ações no STF (ADIs 2028, 2036, 2228, 2621 e RE 566.622), mas não trataremos deste tema neste artigo, pois corretas ou não, constitucionais ou não, são a legislação ora em vigor, até que a Suprema Corte diga o contrário. Segundo a legislação, para ser certificada na área de educação, a entidade é obrigada a cumprir inúmeras e estreitas regras da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional, de legislação específica de filantropia acima mencionada.
CONTRAPARTIDAS
Para ser beneficiada com imunidade de tributos e contribuições sociais, uma entidade filantrópica é obrigada a conceder contrapartidas. No caso da educação, é obrigada a conceder bolsas de estudos em patamares legais, e benefícios complementares aos alunos. Caso não cumpra, tem a certificação cassada e perde a imunidade. Os alunos beneficiários das bolsas filantrópicas integrais devem ter renda familiar mensal per capita no máximo de um salário mínimo e meio; e com bolsas parciais de 50%, a renda familiar per capita não pode ultrapassar três salários mínimos. Ainda assim, deve ser mantida a proporção de uma bolsa integral para cada nove alunos pagantes. A maioria das entidades filantrópicas de educação são entidades centenárias, completamente desprovidas de finalidade lucrativa, mantidas pela Igreja Católica e por Igrejas Evangélicas tradicionais e com longa tradição de formação educacional no país, além de desenvolverem atividades assistenciais também na área de saúde e ajuda humanitária.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
A imunidade tributária das contribuições sociais foi elevada ao patamar constitucional em 1988, no parágrafo sétimo do artigo 195, que assim estabelece: § 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. O Supremo Tribunal Federal já firmou que o termo “isentas” na verdade deve ser compreendido como “imunes”, em diversos julgados, tais como no Recurso em MS nº 22.192. Por outro lado, sendo uma imunidade condicionada, a entidade é compelida a oferecer contrapartidas, sob pena de ter o direito indeferido. Na educação, deve conceder bolsas de estudos para alunos carentes, na proporção de uma bolsa de estudo integral para cada cinco alunos pagantes. Na saúde, deve ofertar 60% de seu atendimento ao SUS – Sistema Único de Saúde. Na assistência social, deve promover atendimento inteiramente gratuito para o usuário. Pesquisa do Fórum Nacional de Instituições Filantrópicas – FONIF, provou que de cada real de imunidade, o setor educacional entrega quase cinco reais em gratuidade (bolsas de estudo, transporte, alimentação, material didático, uniformes, entre outros). No caso da educação, a obrigação de auditar, supervisionar e conferir se as contrapartidas estão sendo cumpridas é do Ministério da Educação. Caso a entidade descumpra um mínimo requisito que seja, tem imediatamente o seu certificado indeferido.
O DILEMA DA CERTIFICAÇÃO
Até o advento da Lei 12.101, de 27 de novembro de 2009, a certificação era concedida pelo Conselho Nacional de Assistência Social. A partir de então, foi distribuída entre os três ministérios. O Ministério da Educação, desde a entrada em vigor da nova lei, foi o Ministério que mais teve dificuldades para implantação de uma robusta área de certificação. Para que se tenha uma ideia, foi idealizado um sistema eletrônico, chamado SisCebas, que após uma década de entrada em vigor da lei, ainda não funcionou adequadamente. Por esta razão, há um estoque de processos considerável aguardando análise, o que tem causado muita insegurança entre as instituições. Por exemplo, a validade do certificado é de três anos, mas a demora no julgamento é tamanha, que muitas entidades possuem vários pedidos de renovação acumulados ainda sem resposta do MEC desde o protocolo do primeiro.
A demora no julgamento traz instabilidade ao setor e chamou atenção de órgãos de fiscalização, com TCU, CGU, RFB, com razão.
Em 2018, o Tribunal de Contas da União efetuou auditoria na área de certificação do MEC e Ministério da Cidadania. Especificamente no MEC, foi ger ado o Acórdão 822, de 18/04/2018 (DOU 30/04/2018, pág. 170), no qual o TCU determinou:
1) A apresentação de um Plano de Ação em 60 dias para análise tempestiva dos processos de concessão/renovação;
2) A apresentação de um informe quadrimestral do estágio de desenvolvimento do SisCebas;
3) Um plano de ação em 90 dias para as entidades detentoras do CEBAS/Educação;
4) A instauração em 180 dias de processos de supervisão das entidades que o TCU identificou indícios de concessão de bolsas em desacordo com as nuances legais e uma formalização das rotinas de análise dos processos de concessão e renovação.
Já se passaram quase dois anos da auditoria do TCU e o Ministério da Educação ainda não conseguiu dar todas as respostas adequadas, nem mesmo implantar o sistema eletrônico (SisCebas). É certo que o sistema não será a solução de todos os males, mas já proveria maior segurança para a sociedade de que as entidades estão sendo auditadas com precisão e num prazo adequado. As entidades sofrem todo o tipo de embaraço e custos com o excesso de burocracia na análise dos processos e a falta de um processo administrativo preciso, rápido e eficiente.
As pendências de julgamento não são causadas pelas entidades, mas pelo próprio poder público. No entanto, são as entidades que estão sendo tidas como vilãs perante a sociedade, quando, na verdade, são vitimadas pela ineficiência do Estado.
Revista Veredas Educacionais – abril / 2020