O COVID-19, e o consequente distanciamento social necessário para conter o contágio, fez com que as escolas se vissem com muitos desafios a gerenciar. Nesse ínterim, a Veredas conversou com especialistas para iniciar uma discussão sobre tecnologia, ensino híbrido e como e quando poderá ser a volta às aulas.
O COVID-19 e a pandemia causada por este vírus causou mudanças jamais imagináveis para a vida a qual todos estavam acostumados. Com o necessário distanciamento social para conter o contágio, todos os setores da sociedade foram sumariamente prejudicados, e, dentre eles, a educação.
A educação privada não tem tido muito tempo para treinos: a demanda pelo ensino a distância e/ou ensino híbrido para que o ano letivo não fosse prejudicado pela pandemia tem causado muita preocupação. Além disso, há outros desafios a enfrentar: como gerir a demanda dos pais de reduzir a mensalidade, as transferências, entre outras.
Para falar sobre isso e muito mais, a Veredas Educacionais conversou com quatro especialistas em gestão escolar.
Volta às aulas presenciais
O professor Alysson Massote Carvalho, especialista em gestão escolar e diretor geral do Instituto Presbiteriano Gammon (MG), avalia que há possibilidade concreta de retorno a partir de agosto, podendo haver variações regionais e locais.
“Todavia, não se tratará apenas de simples retorno às condições que tínhamos antes da suspensão das aulas presenciais. Instabilidade e mudança serão nossas companheiras nessa retomada diante dos riscos de novas suspensões. As escolas deverão se preparar fazendo um planejamento muito detalhado considerando os protocolos que ainda serão divulgados”, apontou.
Para o professor Luciano Sathler, especialista em gestão escolar e Reitor no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, deverá haver muita atenção para os impactos emocionais, físicos e cognitivos nos alunos, sendo, nesse caso, os professores a peça fundamental para esse acompanhamento.
“Ainda, será necessário repensar todas as definições para reorganizar o calendário escolar. Cada escola precisará implementar uma avaliação diagnóstica individual inicial, que servirá como subsídio para os programas de recuperação da aprendizagem. Será fundamental estabelecer um diálogo aberto e frequente com as famílias dos alunos para reduzir os impactos desse período”, ressaltou.
Marcos Fernando Ziemer, Vice-Presidente para a Educação Básica da ABIEE (Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas) e professor universitário da ULBRA (Universidade Luterana do Brasil), e Núrfis dos Santos Vargas, Diretora da Rede de Escolas da ULBRA, apontaram a importância do retorno ser permeado por práticas sanitárias.
“É provável que algumas práticas deverão ser adotadas pelas escolas, como por exemplo: retorno gradual dos alunos, horários diferenciados para entrada e saída dos alunos, horários diferenciados para o recreio e lanche, aferição da temperatura dos estudantes ao entrar na escola, desinfecção dos calçados e mochilas, distanciamento entre os estudantes dentro da sala de aula e adoção do ensino híbrido: metade do período presencial e outra metade online”, enumeraram.
Obstáculos educacionais
É comum que haja receio em relação à falta de disciplina e eventuais dificuldades de aprender com uma modalidade nova que os alunos possam ter. Nesse sentido, as escolas podem ajudar com uma série de ações.
“Quanto ao apoio para os alunos com dificuldades, temos adotado estratégias de apoio como revisões online com esses alunos. Tivemos plantões de Matemática para atender esse tipo de demanda com resultados muito positivos. Por ocasião da retomada das aulas presenciais, estamos definindo algumas estratégias para a redução ao máximo dessas diferenças”, explicou o Prof. Alysson.
O Professor Luciano avaliou a importância de diagnósticos frequentes para observar o que foi ou não aprendido no momento do distanciamento social.
“As escolas deverão planejar atividades voltadas para a aprendizagem e reorganizar seus calendários escolares, podendo propor, para além de reposição de aulas, de forma presencial, formas de realização de atividades escolares não presenciais, adotando regime remoto, podendo ser ofertadas por tecnologias digitais de informação e comunicação, quando disponíveis, ou por outras alternativas”, elucidou Luciano.
Marcos e Núrfis atentaram para o Parecer do CNE 005/2020 que orienta a customização dos planos de recuperação dos alunos que não atingirem os objetivos de aprendizagem propostos no período de isolamento, após a aplicação da avaliação diagnóstica.
“Porém, antes desta situação se concretizar, é possível fazer a prevenção para mitigar algumas destas situações, como:
- Seguir protocolos de acompanhamento de frequência e entrega de atividades;
- Comunicação Assertiva e Sistemática – (todos os segmentos, principalmente com as famílias);
- Planejamento Pedagógico (estruturado, embasado e divulgado);
- Formação continuada docente (permanente);
- Feedback para a comunidade escolar (todos os segmentos);
- Gestão administrativa-financeira e pedagógica com transparência”, enumeraram.
Impacto emocional e psicológico
Que a pandemia está causando muitos prejuízos para o emocional e psicológico da população em geral é um fato; os pais e alunos também não ficam de fora desse impacto. Por essa razão, Alysson destaca a importância do cuidado nas ações voltadas para este assunto.
“Nesse período de isolamento, desenvolvemos três atividades: Dona Corona e Senhor Vírus, Diário de uma Pandemia e Momento com Deus. A primeira procura apresentar de forma lúdica, integrada com os contos infantis, a necessidade de adotarmos medidas de proteção durante esse período de pandemia. A segunda atividade apresenta, sob a forma de um diário, como estão sendo desenvolvidas as atividades na nossa escola durante esse período. Por fim, o Momento com Deus é uma atividade devocional com o objetivo de levar uma reflexão bíblica sobre diversos aspectos do nosso contexto atual, trazendo uma perspectiva de esperança para toda a nossa comunidade”, explicitou.
Luciano alerta que os impactos psicológicos podem gerar aumento da ansiedade e da agressividade, dificuldades de concentração e, em casos mais graves, maior incidência de insônia, depressão e, até mesmo, suicídio.
“Vai ser necessário preparar os professores, funcionários e gestores – especialmente o orientador educacional – e realizar, também, o diagnóstico do estado emocional de cada aluno, para reforçar as competências dos estudantes de enfrentamento a situações adversas. As intervenções de acolhimento emocional dos alunos e famílias precisarão ser realizadas com o apoio de outras áreas. É sugerida a oferta de oficinas e formações frequentes com psicólogos e, se possível, a designação de mentores, inclusive para coordenadores pedagógicos e a direção da escola”, enumerou.
De acordo com Marcos e Núfis, trabalhar o lado emocional de pais e alunos é um grande desafio nesse contexto da pandemia.
“A escola pode implementar ações importantes, como, por exemplo:
– Aplicar as orientações das Portarias dos Órgãos de Saúde, a partir de Planos de Contingência;
– Demonstrar no planejamento e na execução dos planos, o objetivo da preservação da vida dos alunos, dos professores e dos técnicos da Escola;
– Promover a sensação de segurança, por meio das adequações na “infraestrutura” da Escola e nas ações para receber a comunidade escolar;
– Acolher e capacitar os professores, para receber famílias e alunos;
– Acompanhar, desde o isolamento social, as famílias, por meio de lives com temáticas confessionais, motivacionais e de suporte formativo e educativo”, citaram.
Grupos de risco
Outro problema previsível causado pela pandemia é a respeito do retorno de professores e colaboradores que estão em grupo de risco.
Alysson atenta para os parâmetros legais da Medida Provisória 927, que Prevê que empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, além de outras medidas como: o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; o banco de horas; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; o direcionamento do trabalhador para qualificação (com suspensão do contrato de trabalho pelo prazo de até quatro meses); e o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
“A recomendação é que os alunos e colaboradores que apresentem sintomas relacionados à COVID-19 ou que se enquadrem nos grupos de risco ao novo coronavírus sejam afastados das atividades presenciais, nos prazos orientados pelo poder público. Ademais, para todos, deve ser preparado um plano de trabalho remoto para que possam desenvolver as atividades previstas”, afirmou Luciano Sathler.
Por sua vez, Marcos e Núrfis discorreram sobre a importância de levantar os dados dos colaboradores que perteçam ao grupo de risco para, aí sim, elaborar uma logística de organização das aulas híbridas, distribuindo as cargas horárias, no caso dos docentes.
“Com relação aos colaboradores, há perspectiva de ajustes com sindicatos para utilização de banco de horas para os colaboradores que não puderem retornar e nem continuar com suas atividades. O home office seguirá sendo uma boa alternativa para esses casos”, completaram.
Tecnologia
A necessidade de isolamento social levou as escolas, com poucas exceções, a utilizarem de tecnologias para manter o trabalho remoto e o calendário escolar com alterações mais bruscas. Os especialistas falaram com a Veredas Educacionais sobre esse aspecto.
Alysson avaliou que houve um esforço por parte de muitas escolas e educadores para se adaptar a essa situação.
” Em situações de crise como essa, há avanços “forçados”. No caso dessa pandemia avalio que houve um enorme esforço por parte de muitas escolas e educadores utilizando recursos que já estavam disponíveis, mas que não eram utilizados de forma intensa. Essa utilização tem contribuído, inclusive, para o aperfeiçoamento dessas ferramentas. Assim, creio que ganhamos muito com o uso dessas tecnologias, visto que estaremos sujeitos a situações como essa nos próximos anos”, avaliou.
Para Luciano, os sistemas educacionais permanecerão expostos e vulneráveis caso pensem em simplesmente reverter ao que era feito antes da crise ou caso se baseie diretamente no que está sendo, emergencialmente, praticado.
“Caberá às escolas e redes de ensino aproveitar esse momento de adoção emergencial de recursos tecnológicos para repensarem suas práticas, com ênfase na busca de uma maior personalização das relações de ensino e aprendizagem e uma participação mais ativa por parte dos alunos. As metodologias ativas devem ser priorizadas”, opinou.
Marcos e Núrfis, por sua vez, consideram que o processo educacional ganhou muito com esse avanço de uso das tecnologias
“A pandemia do Covid-19 acabou por auxiliar na quebra de paradigmas e preconceitos que havia, numa parcela da comunidade escolar, em relação à utilização, com qualidade, das tecnologias na educação. Observamos a maioria das escolas privadas do nosso país, num curto espaço de tempo, capacitarem suas equipes docentes “virando a chave” e preparando-as para utilização das TIC’s e das novas metodologias nas atividades remotas síncronas e assíncronas. O desafio proposto aos professores foi um ensino remoto intencional, focado na aprendizagem e não na ensinagem, com embasamento nas metodologias ativas e na BNCC”, finalizaram.
Revista Veredas Educacionais – agosto / 2020